Violência contra os alemães e seus descendentes

 As Violências contra os alemães e seus descendentes, durante a Segunda Guerra Mundial, em Pelotas e São Lourenço do Sul – Aspectos Culturais

Prof. Dr. José Plínio Guimarães Fachel

Universidade Federal de Pelotas – UFPel

 

O conceito de cultura é necessariamente amplo, quando analisamos as perseguições lingüísticas, religiosas, políticas, econômicas e educacionais aos teuto-brasileiros, durante a Segunda Guerra, simultaneamente estamos estudando violências culturais.

A região de Pelotas vivenciou um processo de colonização atípico, pois os imigrantes alemães foram fixados de forma descontínua, entre colônias de outras etnias, na periferia de um município luso-brasileiro. Esse foi um dos fatores de maior vulnerabilidade dos “alemães”, na parte meridional do Rio Grande do Sul, durante as perseguições características da Segunda Guerra Mundial no Brasil. Devido a proibição dos colonos se deslocarem livremente para a sede do município (a exigência dos “salvo-condutos” comprova isso), ficaram praticamente presos nas colônias. A existência de uma forte estrutura militar, policial, eclesiástica católica e administrativa, dominada pelos luso-brasileiros no município agravou esses problemas.

Na região, em agosto de 1942, ocorreu forte perseguição religiosa ao luteranismo, duas igrejas foram parcialmente queimadas, uma delas ligada aos norte-americanos de Missouri, aliados do Brasil na Guerra. Um fiel desta igreja, Pedro Guilherme Antônio Steffen Munsberg, foi preso, torturado e assassinado pela polícia, com a conivência do Exército. Na localidade de Igreja Queimada (nome que lembra a violência), hoje no município de Cerrito, o desrespeito foi caracterizado com o batismo simbólico de um cavalo no templo, ato bárbaro também ocorrido em Cachoeira do Sul.

Parte dos objetos litúrgicos que foram saqueados da Igreja Luterana São João, na cidade de Pelotas, ficaram com a Cúria católica durante a Guerra. Os cultos luteranos foram proibidos e em Rio Grande a igreja se transformou em posto policial.

A polícia gaúcha confundiu o nazismo com o luteranismo. Muitos pastores protestantes foram presos e condenados a trabalhos forçados na colônia penal agrícola Daltro Filho (denominado local de concentração pelos policiais), onde havia um pavilhão para esses pastores. O pastor luterano em Pelotas, Alfred Simon, que sofreu interrogatório das autoridades consulares alemãs por ter retirado a bandeira nazista do clube XV de julho, foi ironicamente um desses presos. De fato existiram pastores nazistas, mas a maioria suspendeu essas atividades políticas quando foram proibidas. Até 1939, quando o Estado Novo, com suas características totalitárias, flertou com Hitler, o nazismo era aceito publicamente no Rio Grande do Sul.

As escolas e seus terrenos, motocicletas dos pastores, rádios, bibliotecas e até cemitérios foram desapropriados pelos policiais gaúchos. Após o final da Guerra (em 1947) o processo judicial, denominado pela imprensa: “Nuremberg às avessas”, demonstrou a infinidade de objetos furtados pelos policiais gaúchos.

Inúmeras casas comerciais, indústrias e residências dos teuto-brasileiros foram saqueadas e incendiadas em Pelotas, com a complacência da polícia, da Brigada Militar, do Exército e da Liga de Defesa Nacional.

Em Porto Alegre o interventor Cordeiro de Farias, que governava o Estado, participou dos “quebra-quebras” em agosto de 1942. Evidenciou seu preconceito cultural com os alemães quando afirmou:

Para mim, tradicionalistas germânicos e nazistas são uma e mesma coisa. Apenas uma diferença de religião os distingue, no fundo são fundamentalmente iguais. Sua mentalidade e objetivos, ambos visam a preservação do germanismo no Brasil. (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 18 de abril de 1947)

 

Os nomes das ruas da capital, que faziam referência à Alemanha, foram trocados pelos nomes dos navios brasileiros afundados, fato atribuído aos alemães.

Em Pelotas os nomes alemães dos estabelecimentos comerciais foram substituídos, como a “Ferragem Nieckele”, que no caso passou a se chamar “Ferragem Americana”, ou passaram a ostentar nomes luso-brasileiros. Em alguns casos, os proprietários de origem alemã colocaram, como nome de sua casa comercial, o sobrenome de empregados de origem lusa.     

O uso da língua alemã no Rio Grande do Sul foi considerado crime, alguns colonos foram presos e espancados por falarem o alemão. No quartel do Exército em São Leopoldo, os soldados que não se expressavam bem em português eram obrigados a usar uma braçadeira preta, discriminação semelhante àquela imposta pelos nazistas aos judeus (que eram obrigados a utilizar a estrela de Davi). No quartel Oitavo Regimento de Infantaria em Cruz Alta, conforme o depoimento (13/08/2004) do ex-cabo Radwald Kurtzenbaum, os soldados que não sabiam falar português - diferentemente dos demais - eram forçados aos trabalhos pesados até o anoitecer. Contudo essas ações policiais sofreram críticas, fazendo com que o Chefe de Polícia do Estado, Tenente Coronel Aurélio da Silva Py limitasse as prisões, principalmente aos mais pobres:

Quando se tratar de pessoas, que pela sua condição social, deva se presumir que a sua detenção repercutirá fortemente no meio social local, igualmente as autoridades policiais devem, antes de qualquer procedimento, comunicar-se com a Chefia, afim de receberem instruções. (Circular 6, item 6, reservada, Porto Alegre, 9 de Fevereiro de 1942).

 

Na revista Vida Policial, o ensino de alemão passou a ser também proibido e confundido com o nazismo, de forma racista:

Não necessitamos da ‘cultura’ dos dolicocéfalos nazistas [...] Nada queremos aprender daqueles cuja atitude é um permanente ultraje à civilização: não julgamos, portanto, necessário conhecer a sua língua, cuja permanência, em nossos programas de ensino não pudemos tolerar. (Eraldo Rabello, Maio de 1942: 7).

 

O anti-germanismo ficou evidente durante a Guerra, Walter Spalding, em artigo de julho de 1943 afirmou:

“O povo alemão, entretanto com o advento de Bismark e sua famosa Kultur [regressou] à barbárie absoluta. [...] Saídos de um paganismo que tinha a força por lema e o ódio por base, os antigos germanos, com o advento do cristianismo foram, a pouco e pouco e com grandes dificuldades, abandonando seus sentimentos primitivos, de guerras, conquistas e luxuria, ingressando, finalmente, no grêmio da civilização [...] sempre estiveram com a cega obediência a seus deuses guerreiros.

São de origem germânica cerca de 80 % das palavras do dicionário bélico [...]

Urge para a tranqüilidade dos povos civilizados não mais se permitir as imigrações germânicas e japonesas, porque foram e serão verdadeiros cancros incuráveis nos seios das democracias [...]     

Fica, agora, o mundo democrático num dilema tremendo: ou destrói impiedosamente toda a clã germânica, ou a enjaula sistematicamente, conservando-a sob o mais rigoroso controle [...]” (Vida Policial: 107 – 109).

 

A criminalização dos elementos culturais germânicos fica evidenciada nas portarias policiais, como a decretada em 31 de janeiro de 1942, pelo delegado D. Peretti, em São Lourenço do Sul, que proibia falar ou cantar em alemão. Em regiões onde a colônia alemã possuía uma homogeneidade étnica essas restrições não eram tão pesadas, mas em áreas dominadas por populações não germânicas como Pelotas as delações eram mais freqüentes. Analisando a estatística policial do período verifica-se o rígido controle policial sobre os colonos, em janeiro de 1944 a delegacia de Pelotas expediu mais de 3097 salvo-condutos.   

Esses preconceitos culturais fizeram com que durante décadas a língua alemã fosse banida das escolas e dos vestibulares ao ensino superior no Rio Grande do Sul. Muitos desses preconceitos ainda estão presentes na região de Pelotas, onde o desenvolvimento comercial e industrial sofreu sérias conseqüências pela destruição e evasão do capital de origem colonial alemã.